Autor: Darci Garçon
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Pelo que temos visto, é cada vez mais intensa a preocupação das empresas com a forma de tratamento dada pelos gestores aos seus colaboradores. Como sabemos, a má conduta de um gestor no trato diário com os seus subordinados, além de deteriorar o clima da organização, pode expor a empresa a custos elevados, principalmente quando os conflitos são levados à justiça do trabalho.
Falta de autocontrole ou agressividade descontrolada pode acontecer na vida cotidiana e também no trabalho com qualquer um de nós. Enquanto executivo de empresas, trabalhando em RH, testemunhei inúmeros casos. Eu mesmo senti, na pele, os efeitos desse problema. Enquanto consultor voltado a entrevistar pessoas, ouço constantemente o desabafo de profissionais com referência ao clima vivenciado em suas empresas, onde a agressividade chefe/subordinado faz parte do dia a dia. Um executivo de empresa de grande porte me relatou ter sido humilhado pelo seu chefe, o presidente. Por essa razão, deixou o emprego e abriu reclamação trabalhista contra a empresa. Custou caro.
Deve haver inúmeras explicações para este comportamento hostil de desrespeito às pessoas, mas vamos nos apegar a uma delas e, para caracterizar este tipo de personalidade agressiva, vamos retroceder no tempo e lembrar uma palavra usada até os anos 70: megalomania.
Os antigos megalômanos são agora chamados de narcisistas e podem ser portadores do desajuste chamado de NPD (tradução literal: transtorno de personalidade narcisistica). Segundo Romero-Urcely*, psicólogo forense na Inglaterra, o inspirador deste artigo, ainda não se sabe a origem desse desvio. Segundo ele, sabe-se que não se trata de predisposição genética, podendo ser causado por excesso de afeto na infância, trauma emocional ou mesmo abuso sexual. O narcisismo é mais comum entre os homens, principalmente por aqueles que têm sede de poder. Contudo, está crescendo o número de mulheres narcisistas, em razão da busca de igualdade dos sexos.
Já Sam Vaknin**, que foi vítima desse mal e que se tornou expert no assunto, diz que narcisista é o indivíduo deslumbrado consigo mesmo que necessita ser o centro das atenções. Acredita ser mais importante que os demais, busca desesperadamente fontes de admiração e sofre quando não é bajulado. Não satisfeito, fantasia poder ilimitado, inteligência e beleza e quando lhe falta tudo isso, procura inspirar medo para realçar seu brilho e para fazer valer a sua superioridade diante dos seres humanos comuns. Fica possesso quando é ignorado.
Segundo Vaknin, na Inglaterra os narcisistas gostam de trabalhar em postos e profissões nas quais possam controlar as pessoas, criar dependência e provocar a adulação dos que os cercam. Dá exemplos: nesse país, os narcisistas preferem atuar em Política, Finanças, Direito e Medicina.
Não temos conhecimento de pesquisa similar realizada no Brasil a respeito desse assunto. Portanto, não sabemos quais as profissões de preferência dos nossos onipotentes narcisistas, ainda que alguns casos saltem à vista. Por exemplo, veja esta frase dita por um conhecido político brasileiro: “Eu fui o melhor presidente da história do Brasil. É quase uma missão impossível tentar repetir esse desempenho. Eu teria de competir contra mim mesmo”.***
Diagnosticar uma pessoa com esse transtorno não é difícil, principalmente, para quem está habituado a avaliar pessoas. Mais alguns detalhes sobre os atributos do narcisista que saltam à vista no mundo do trabalho: em determinadas circunstâncias, quando contestado, o narcisista torna-se mal humorado, hostil, arrogante, truculento e rancoroso. Neste caso, há uma outra designação para este tipo de personalidade: psicopata corporativo.
O psicopata corporativo costuma perder o auto-controle e maltratar ou ofender a pessoa ou as pessoas que o cercam. Trata-se de postura absurdamente inadequada e com efeitos colaterais maléficos. Esse comportamento, quando assumido por um gestor, é forte motivo para a empresa deixar de ser admirada pelos seus colaboradores. Pelas reações e pela forma de se comunicar, esse gestor não transmite empatia, torna-se intolerável e é evitado pelos que poderiam fazer parte de seu círculo de amigos.
Por meio dessa caracterização já é possível fazer uma autoreflexão sobre a dosagem de narcisista ou psicopata corporativo que carregamos. Responder às seguintes perguntas talvez ajude: os seus subordinados ou os seus amigos o procuram para pedir algum feedback ? Procuram-no para saber o que você pensa sobre determinado assunto ? Eles teriam coragem de lhe dar um feedback, dizendo o que pensam a seu respeito? Quando você cruza com pessoas de profissões mais simples ( manobristas, faxineiros), eles olham para você ou fazem de conta que não o veem ? Você fica aborrecido quando não reconhecem os seus méritos e, por consequência, não recebe efusivos aplausos ? Fica com vontade de agredir o seu chefe quando ele não o cumprimenta fervorosamente pelos resultados que você apresenta ?
Conviver com um narcisista ou com um psicopata corporativo não é fácil. É preciso ser muito tolerante e paciente, principalmente nestes tempos de crise, quando o emprego ou o futuro profissional depende de um deles. Mas ninguém é obrigado a ouvir insultos, sofrer humilhações e maus-tratos o tempo todo, vindos de quem quer que seja. Na vida cotidiana a solução é, simplesmente, cortar o relacionamento. Já no trabalho, quando houver dependência em razão dos cargos ocupados, é necessário ter calma e habilidade para informar ao narcisista ou ao psicopata que tais procedimentos não o agradam.
Outra possibilidade é passar a questão adiante, aconselhando-se com a área de Recursos Humanos sobre como enfrentar o problema. Talvez seja o caso de dar um tempo e esperar que os seus empregadores saibam por meio de outros sobre o que está acontecendo e que tomem alguma providência, pois, com certeza, você não deve ser a única vítima. Em última instância, o caminho é procurar outro emprego, pedir demissão e, dependendo das circunstâncias, abrir reclamação trabalhista por “abuso emocional”, punindo assim seu ex-empregador que ignorou esse problema.
Narcisistas, vaidosos e arrogantes aparecem em todos os lugares mas posso imaginar que, por estas bandas, podemos estar contribuindo para fazer crescer o número de deslumbrados consigo próprios, os futuros psicopatas corporativos, quando definimos pré-requisitos mirabolantes para os cargos, propagamos exageradamente a preocupação com retenção de talentos, elevamos a auto- estima dos jovens ao infinito, elegendo-os precocemente como futuros presidentes. Quando fazemos tudo isso, podemos dar uma força danada para o aumento desse repugnante desvio de conduta.
* Romero -Urcely. Médico do West London Mental Health NHS Trust
** David San Vaknin. Escritor israelense sobre personalidades narcisistas
*** Revista Veja, página 42, 13/07/16.