Autor: Darci Garçon
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O ano de incertezas e carregado de imprevistos passou rapidamente e as palavras de Dee Hock* expressam bem o que vimos acontecer nestes tempos: “Hoje, o passado está cada vez menos profético, o futuro cada vez menos previsível e o presente quase não existe”. Trata-se de um resumo fantástico do que temos assistido, somando-se os efeitos da globalização aos problemas econômicos, sociais, políticos e éticos que o país está enfrentado.
Chegamos ao final de 2016 e, no vaivém das incertezas, é impossível prognosticar o que testemunharemos nos próximos meses. Mas, como sempre, deveremos dançar conforme a música. Situações imprevistas já experimentadas, nos obrigaram a afinar a percepção, a enxergar o abstrato e a acelerar o processo de adaptação para não perdermos o bonde da história. Essas imposições são importantes permanentemente e devem ser postas em prática desde já, nos assuntos pessoais e também nos profissionais.
Trabalho é o objeto principal deste artigo. No contexto desse cenário incerto e sombrio tudo indica que será prudente manter-se plenamente ocupado e esforçar-se em apresentar alto desempenho com a intenção deliberada de manter o emprego. Esse comportamento é mais prudente do que querer sossego e pouco estresse no desenvolvimento das tarefas. Pelo menos temporariamente, enquanto durar a crise econômica, devemos deixar qualidade de vida em segundo plano.
Lembremo-nos que no passado recente, digamos, até os anos 80, a situação não era nada parecida com a que vivemos hoje. De lá para cá, as exigências do mundo corporativo mudaram, mandando para o espaço o conforto e a segurança que tínhamos. As empresas introduziram pré-requisitos mais rígidos para admitir e manter os seus colaboradores e a cobrança por resultados intensificou-se de forma exagerada. Por outro lado, as equipes de trabalho foram reduzidas em função de custos elevados dos tributos trabalhistas.
As empresas eram mais tolerantes no que diz respeito ao desempenho. Era mais difícil ser mandado embora, daí se passar muitos anos no mesmo emprego. Já não é mais e, como consequência, cuidar da gestão de pessoas passou a ser uma atividade mais complexa, requerendo aprendizagem, experiência e maturidade. Nos dias de hoje, os gestores precisam conhecer, nos mínimos detalhes, os seus colaboradores. É impossível comandar uma equipe e mantê-la produtiva, motivada e cooperativa, sem saber quais as necessidades pessoais, interesses, ambições e planos de cada um. E, a partir desse conhecimento, estabelecer forma adequada de gerenciamento sabendo que não existem duas personalidades iguais.
O aparecimento da informática foi uma fronteira histórica. Ela proporcionou a racionalização dos processos, reduziu os tempos de produção, ajudou a melhorar a qualidade e os controles, tornando as empresas mais competitivas. Em contrapartida, reduziu a quantidade de empregos. Além disso, passamos pelas fases de reengenharia, downsizing, terceirização e aquisições, mesmo quando a economia do país estava em crescimento. Hoje, o aumento das oportunidades de emprego não acompanha o crescimento da oferta de mão-de-obra. Este é um problema mundial que deverá intensificar-se ainda mais com o passar dos anos.
Dessa forma, as relações empresa/colaborador mudaram muito e o senso de comunidade parece não existir mais. Saiu de campo o “familiar” e entrou o “profissional”. Em compensação, melhoraram as condições físicas e materiais. Surgiu a remuneração variável para premiar desempenhos diferenciados, os programas de benefícios foram aperfeiçoados, principalmente os voltados para a preservação da saúde.
Todas essas ocorrências, contra e a favor, deram origem a uma nova situação: o medo de perder o emprego. Assim, a intranquilidade, o desconforto, a insegurança e a incerteza acentuaram-se. Manter o emprego tornou-se a grande preocupação e evitar a possível transição de carreira passou a ser e é o objetivo mais importante das pessoas que estão empregadas e não podem abrir mão dele.
Do lado do mundo corporativo, surgiu um modismo, a preferência das empresas pela geração “talentos”, por jovens profissionais na faixa de 23 a 30 anos de idade. Fortaleceu-se o preconceito contra os que têm mais de 45 anos, apesar de apresentarem melhor preparo, mais tempo de experiência e as mesmas condições físicas. Os “coroas” ficaram relegados a um segundo plano na preferência das empresas. Foram valorizados os MBAs, a fluência em idiomas mesmo quando desnecessária. Apareceram os programas de trainees com desgastantes processos de seleção, aplicação de complexas baterias de testes psicológicos e intermináveis dinâmicas de grupo.
A palavra estratégia tornou-se um jargão modernista e passou a ser utilizada em qualquer situação, sempre com a intenção de disfarçar, realçar ou tornar menos vulgar a função ou as situações de trabalho. O uso dessa expressão passou a dar caráter de intelectualidade, inteligência e superioridade a quem dela se serve.
Do lado dos profissionais, impossível esquecer os efeitos da dramaturgia. A cobrança impiedosa de resultados fez com que o talento dramático se tornasse cada vez mais importante em detrimento da competência técnica. Nos tempos atuais é preciso saber encenar não só para segurar o emprego, mas também para exibir status, poder e autoridade. Ser convincente, protagonista e saber explicar as razões do fracasso pode ser mais importante do que conseguir resultados.
Quem procura emprego, nestes tempos, se defrontará com obstáculos inimagináveis há 30 anos. Hoje, os profissionais valorizam os seus sonhos, crescimento, reconhecimento, qualidade de vida e remuneração diferenciada. Já as empresas valorizam o alto desempenho e resultados. Deixou de existir um propósito comum entre as partes. A cena equivale a uma batalha entre mercenários de um lado e tiranos do outro…
Em matéria de gestão de pessoas apareceram muitos modismos, transitórios. Mas há algo que não mudou em nada: a demissão. Este é um procedimento comum nas organizações e deveria ser prognosticável pelos colaboradores raramente o é. Poderia relatar inúmeros casos de desligamentos feitos de forma escabrosa. Ser demitido inesperadamente é tão impactante quanto perder um ente querido. Demitir é um procedimento comum e as empresas deveriam estar preparadas para conduzi-la. Mas não é assim. Desde sempre, muitas empresas não estão preparadas para realizar demissões de forma adequada e a não arrasar o ser humano que há por trás de cada colaborador.
Assim, nesse cenário de incertezas em que vivemos, é preciso refletir. Auto monitoramento ! É oportuno fazer um retrospecto, analisar possibilidades, pensar em alternativas e estar preparado para o que poderá vir, eventualmente, o pior. E torcer para o que foi apreendido e realizado ao longo da carreira seja útil para abertura de outras oportunidades que devem ser procuradas com disciplina, persistência e ajuda da rede de relacionamento.
* Nascimento da Era Caórdica, Dee Hock, Editora Cultrix